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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Educação - O Direito à Educação na Constituição Federal de 1988

 Doutrina sobre Educação

1. O Direito à Educação na Constituição Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de Justiça: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE11/RBDE11_07_ROMUALDO_PORTELA_DE_OLIVEIRA.pdf


2. Direito a Educação e Cidadania: Pressupostos para Políticas Educacionais de Inclusão

Por: Valmôr Scott Junior

As políticas educacionais de inclusão são instrumentos para o bem-estar social e formação da identidade cidadã às pessoas com necessidades especiais. Para tanto, buscando a implementação adequada e satisfatória na sociedade, é fundamental dialogar com seus pressupostos formadores, com vistas a evitar experiências desastrosas e ineficientes no contexto social. Os pressupostos imprescindíveis para o sucesso destas políticas são o direito à educação e o exercício da cidadania.

O direito à educação e o efetivo exercício da cidadania às pessoas com necessidades especiais precisam ser questionados partindo-se da legislação brasileira básica a respeito; é necessário estar atento à proliferação desenfreada de regramentos legais que acabam por dificultar tanto o entendimento quanto a aplicabilidade destes preceitos.

Na busca por possibilidades de entendimento, vários conceitos começam a surgir como possíveis caminhos: cidadania, educação e direito, os quais vão além da normatização e prezam pela "irrelevância" de legalizar em demasia ações e direitos, mas permitir a fruição do direito em questão no mundo material, para além do universo das leis, códigos e outros atos normativos.

É fundamental uma discussão que estabeleça uma relação entre a garantia formal do direito à educação destas pessoas e a garantia material imersa em seu cotidiano, para que se produza um entendimento do direito à educação, de modo mais diretivo que a lei, tendo como base as vivências destes indivíduos e sua inserção social enquanto cidadãos participantes e atuantes.

A voz cidadã expõe a decência, a afirmação de si como gente, o exercício ético, a possibilidade de intervenção na realidade, a escolha pelo coletivo e assunção da responsabilidade pela construção possível do sonho de uma sociedade cada vez menos desigual. (VASCONCELOS, 2006, p. 52)


A sociedade, enquanto colaboradora na formação da identidade do cidadão e de sua consonância com o direito em análise, é o lócus do qual se emite com ressonância o conceito de educação e cidadania, o exercício legal e o modo de entendê-los, também no que concerne às pessoas com necessidades especiais.

O direito à educação, na vida destes sujeitos de direito, busca garantir a efetivação da cidadania destas pessoas, a qual é primordial para o seu reconhecimento individual e social enquanto titular de direitos, independente da presença de um grande número de ditames normativos.

A sociedade, em seu caráter mutável e dinâmico, tem a capacidade de criar, modificar, extinguir e exercitar direitos de acordo com suas necessidades em seu movimento de transformação e, a legislação, enquanto garantidora deste processo, precisa considerar que a garantia formal de direitos deve estar sujeita a garantia material, vivenciada no seio da sociedade, a qual orienta os ditames legais a respeito de vários direitos, entre eles, o direito à educação.
Diante disto, verifica-se que a sociedade influencia diretamente no exercício deste direito e, como conseqüência, no exercício da cidadania, cabendo a lei apenas a garantia de sua proteção de um modo geral, pois os ditames materiais são ordenados pela sociedade.

A Constituição Federal refere-se ao direito a educação em dois dispositivos:

Art. 205.  A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; [...] (LIMA, 2007, p. 25)


O legislador trouxe de forma clara e ponderada o direito a educação, sem distinção de qualquer natureza e, no artigo 208, III, a noção básica de cidadania formal, reafirmando o compromisso do Estado, e buscando a igualdade com respeito às diferenças, através do direito adequado à educação das pessoas com necessidades especiais.

Havendo esta garantia em nossa Lei Maior, é questionável a edição de outras normas de mesmo conteúdo, pois uma vez regrada em norma de hierarquia superior, cabe ao Estado, a sociedade, à família e a escola garanti-lo, proporcionando a estes sujeitos o sentimento e a visibilidade de cidadãos colaborativos e atuantes na sociedade, com vistas a diminuir as desigualdades.

Quanto às pessoas com deficiência, estamos superando o viés assistencialista e caridosamente excludente para possibilitar-lhes a inclusão efetiva. Passarão a ser sujeitos do próprio destino, não mais meros beneficiários de políticas de assistência social. O direito de ir e vir, de trabalhar, de estudar é a mola mestra da inclusão de qualquer cidadão e, para que se concretize em face das pessoas com deficiência, há que se exigir do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, por meio de políticas públicas compensatórias e eficazes. (FONSECA, 2005)


Uma sociedade livre, justa e solidária é aquela que possui liberdade de ação através de esforços conjuntos, em prol das pessoas que a constitui e, para ser livre, é preciso entre vários fatores, não perder-se entre as correntes da legislação que versa sobre um mesmo assunto, mas possuir um ditame legal que indique o "norte" e apresente os horizontes para que a pessoa com necessidades especiais sinta-se realmente sujeito de direitos, produtivo, participativo e transformador, para possibilitá-los condições de compartilhar com o Estado, o exercício de sua cidadania.

[...] o papel do Estado poderia ser assim desenhado, em poucos traços:
a) primeira função é não estorvar; dito de outra maneira, o Estado não deve capturar a cidadania popular, como se fosse papel seu produzir a cidadania, escondendo a estratégia de evitar que a participação popular se volte contra o Estado; (DEMO, 1994, p. 37)


Ainda, segundo o artigo 205 da Lei Maior, anteriormente citado, o Estado tem o dever de garantir o direito à educação para estes sujeitos e prezar nas relações sociais, pela propagação de valores básicos a respeito e, posteriormente, possibilitar o encontro destes indivíduos com a escola, a qual tem sua importância ressalvada por Silva (p. 251, 1996) ao mencionar que a escola está no centro dos ideais de justiça, igualdade e distributividade do projeto moderno de sociedade e política.

Na busca pela compreensão das reflexões apontadas a respeito do direito à educação dos indivíduos com necessidades especiais e a efetivação de sua cidadania, se estabelece o início de uma trajetória em busca de respostas.

O melhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser humano de que se tornou consciente. [...], aí radica a nossa educabilidade bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca em que curiosos e indagadores, não apenas nos damos conta das coisas, mas também delas podemos ter um conhecimento cabal. A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala da nossa educabilidade em  um  nível distinto  de adestramento dos outros animais e do cultivo das plantas. (FREIRE, 1997, p. 76)


Sabendo que o respaldo deste direito não está apenas no regramento formal da matéria, mas em situações materiais, é que se pretende racionalizar o direito, a educação e a cidadania destes indivíduos.

Neste liame, é importante salientar a importância da cidadania, a qual é pressuposto fundamental para que o indivíduo se reconheça como membro social atuante e respeitado; para que não se sinta um "estranho" no seio da sociedade.

Cidadania pelo viés da educação pressupõe igualdade, respeito às diferenças, inclusão através de políticas educacionais eficientes, tendo em vista que a não observância destes pressupostos pode ocasionar um desrespeito reiterado e ostensivo ao direito básico de cidadania.

Políticas educacionais colaborativas com o exercício da cidadania das pessoas com necessidades especiais são aquelas que servem como mecanismo de transformação social para a plena realização do indivíduo, assegurando igualdade de oportunidades aos alunos que apresentam condições específicas no processo educativo.

O I Plano Nacional de Educação Especial, elaborado pelo Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), criado em 1973, é um dos marcos na área, cuja finalidade era planejar e promover o desenvolvimento da educação especial, do ensino pré-escolar ao superior para os diferentes tipos de deficiência. (LIMA, 1998, p.42)

Mesmo assim, apesar do Poder Público ter intenções na área da Educação Especial, as ações eram casuísticas sem atenção a políticas educacionais que visassem garantir a universalização da educação e, desta forma, ocorria uma falta de planejamento eficaz, que se repetiu na Nova Proposta para a Educação Especial, em 1985, o qual dispunha sobre o aluno com deficiência na rede regular de ensino, desde que fosse possível.
O CENESP manteve esta pouca determinação, proclamando, como já o fazia a LDB n. 4.024, de 1961, a proposta do deficiente integrado ao sistema regular de ensino, mas não prescrevia para este, nenhuma obrigatoriedade de apoio especializado, se necessário. (JANNUZZI, 2004, p. 159)


Ainda hoje, verifica-se a falta de comprometimento e, por vezes, a omissão do Estado em relação a políticas educacionais específicas, o que resulta em descaso com a cidadania destes indivíduos pela educação. Diante disto, se faz mister a pressão de organismos internacionais e mobilização de grupos de defesa com protestos e reivindicações, para que o exercício da cidadania destes sujeitos seja respeitado e o Poder Público  direcione satisfatoriamente as políticas educacionais.

Nos anos 90, várias normativas de ordem internacional como a Declaração de Jomtien de 1990, a Declaração de Salamanca de 1994 e a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999), mobilizaram reformas estruturais e educacionais a respeito no Brasil, sendo um exemplo, o Decreto nº 3.298 que traz a transversalidade da educação especial a todos os níveis de ensino, e a sua atuação como complementar ao ensino regular.

Atualmente, a educação especial permanece como modalidade de ensino transversal. No entanto, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) passa a constituir a proposta pedagógica da escola, articulada com o ensino comum, orientado ao atendimento às necessidades educacionais especiais de ser o público alvo. (BRASIL, 2008)

As políticas educacionais às pessoas com necessidades especiais têm, no decorrer da história, suas conquistas cidadãs mais ligadas as organizações (internacionais e nacionais) e grupos civis organizados, representativos das questões ligadas direta ou indiretamente à pessoa com deficiência, do que direcionadas pela vontade espontânea do Estado,  em virtude de que, em decorrência das pressões sociais, é que o Poder Público elaborou documentos e atos normativos importantes que contribuem até os dias de hoje para o fomento do acesso destes indivíduos à educação escolar adequada.

Importante frisar que não há como referir-se ao direito à educação destas pessoas sem estabelecer o ponto de convergência entre os saberes: Direito e Educação Especial. O Direito normatiza a Educação Especial, a qual é um dos mecanismos que à lei possui para atingir uma de suas finalidades essenciais: a cidadania.

Em seu artigo "Complexidade, do casulo à borboleta", assim como Paulo Freire, Maria da Conceição de Almeida, entende a importância de conhecimentos inter/transdisciplinares.

[...] a disciplinaridade fechada reduz e simplifica a complexidade inerente a qualquer temática. [...] o especialista que não se abre a troca com outras áreas do saber é um míope diante de algumas das múltiplas dimensões nas quais transita sua problemática de estudo [...]. (ALMEIDA, 2002, p. 37)


Considerando que o Direito e a Educação Especial são terrenos férteis de troca de idéias e, principalmente, contribuições para a condição de cidadão a estas pessoas, é que se faz essencial o "casamento" entre estas áreas do saber na busca de respostas sobre o direito à educação, cidadania e políticas educacionais.

Diante das considerações realizadas, pode-se concluir que o direito à educação e sua efetivação satisfatória às pessoas com necessidades especiais acontece através da observância da garantia material deste direito, imerso no cotidiano destes sujeitos.

Desta forma, é equivocado relacionar o exercício deste direito apenas a garantias de ordem formal expressas na legislação federal que, com este intuito, acaba por normatizar em demasia, criando um emaranhado de ditames legais que mais confunde do que colabora, dificultando a escuta da voz cidadã.

A cidadania, como pressuposto de participação social e atuação para o exercício e respeito de direitos e diferenças na sociedade, ocorre quando consideradas as vivências destes atores sociais, para além dos ditames normativos que, em geral, são elaborados ao "gosto" do legislador, sem a participação dos destinatários (pessoas com necessidades especiais). Em suma, sem considerar a colaboração cidadã destes sujeitos.

O direito à educação e cidadania destes indivíduos são implementados socialmente através de políticas educacionais de inclusão, enquanto função estatal inerente aos órgãos governamentais competentes. No entanto, constatou-se que isto não ocorre espontaneamente, em virtude da maioria destas políticas serem efetivadas devido a pressão de organismos internacionais e demais órgãos de defesa.

O diálogo entre Direito e Educação Especial possibilita visualizar com clareza e refletir sobre estes apontamentos, partindo em busca de soluções para a maior participação das pessoas com necessidades especiais, considerando-se suas vivências na elaboração de ditames legais e políticas educacionais adequadas.

O Estado, enquanto não prezar, adequadamente, pela cidadania e pelo direito à educação destes atores sociais, permitindo sua participação efetiva nas iniciativas educacionais em que sejam destinatários, continuará a legislar em demasia, a não ser eficiente na elaboração e implementação de políticas educacionais de inclusão e, como conseqüência, não alcançar o bem comum, entendido pelos "óculos" da cidadania das pessoas com necessidades especiais.


Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Maria da Conceição de. (Org.) Complexidade, do casulo à borboleta. In: CASTRO, Gustavo de. Ensaios de Complexidade. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2002.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Programa educação inclusiva: direito à diversidade. Disponível em www.mec.gov.br0seesp.  Acesso em 16 de junho de 2008.

DEMO, Pedro. Política social, educação e cidadania. São Paulo: Papirus, 1994.

FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A sociedade inclusiva e a cidadania das pessoas com deficiência. Natal: Sicorde, 2005.Disponível em: <http://www.mj.gov.br/corde/palestrasRICOTEC.asp>. Acesso em: 4 out. 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

JANNUZZI, G. M. A Educação do Deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. Campinas-SP: Autores Associados, 2004. (Coleção educação contemporânea)

LIMA, Niusarete Margarida de. Legislação federal básica na área da pessoa portadora de deficiência. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Coordenadoria nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Sistema Nacional de Informações sobre Deficiência, 2007.

LIMA, S. R. Cursos de especialização em educação física e esportes adaptados: onde estão os egressos. 1998. 162f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 1998.

SILVA, T. T. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. 1. ed . Petrópolis: Vozes, v. 1, p. 274, 1996

VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho. Conceitos de educação em Paulo Freire: glossário. Rio de Janeiro: Vozes Ltda: São Paulo, SP: Mack Pesquisa – Fundo Mackenzie de Pesquisa, 2006.




CITAÇÃO DESTE TEXTO:
SCOTT Jr, Valmôr. Direito a Educação e Cidadania: Pressupostos para Políticas Educacionais de Inclusão. Revista Virtual P@rtes
Perfil do Autor
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais ( Direito) pela UNICRUZ (2001). Advogado (2002). Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal - UFSM desde 2004. Especialização em Direito Civil - UFSM (2007). Mestrado em Educação - UFSM (em andamento). Tutor EAD - UAB/FNDE. Membro pesquisador do GEPAEC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura, DIRETÓRIO CNPq. Membro pesquisador do KÓSMOS - Grupo de Pesquisa Sobre Ambientes Virtuais de Ensino-aprendizagem e Redes de Formação Docente - linha de pesquisa: Ambientes virtuais de ensino-aprendizagem, DIRETÓRIO CNPq.
(Artigonal SC #2857512)

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